sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

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Aquela que é uma medida que visa, essencialmente, assegurar a segurança do ciclista e promover a coexistência de bicicletas e automóveis acabou por se revelar um pau de dois bicos. Falamos, claro, das alterações ao Código da Estrada.


É inegável que todas as alterações vão contribuir para um incremento das condições de segurança para o ciclista e, consequentemente, facilitar a partilha da via.

A verdade é que, bicicletas na via pública, não constituem novidade para ninguém e, basta uma pequena volta pela cidade, para vê-las a circular na estrada, a par com os automóveis. Por isso, ao contrário da ideia que Carlos Barbosa tenta transmitir, estas alterações não vão fazer com que os ciclistas saiam em massa para as estradas. Vão, sim, legislar sobre uma realidade que está à vista e tem sido, até agora, ignorada.

Mas o presidente do ACP vai mais longe e faz da obrigatoriedade de um seguro para ciclistas a sua bandeira! 

Ora vejamos os argumentos apontados (podem ler o artigo completo do Público aqui):


1 - “Dado que os ciclistas estão em igualdade de circunstâncias em relação a um veículo a motor e têm um determinado número de regalias novas, a partir daí é fundamental que também tenham um seguro de responsabilidade civil contra terceiros, como têm os carros, os motociclos e tudo o que circula na via pública”


Para começar, gosto do conceito de "regalias novas". Vejamos quais são: 
  • fim da obrigatoriedade de circular o mais à direita possível
  • poder reservar uma distância de segurança em relação à berma
  • possibilidade de circular lado a lado com outro ciclista
  • os automobilistas terem de assegurar uma distância de 1.5 metros em relação ao ciclista
  • obrigatoriedade dos automobilistas abrandarem a velocidade quando ultrapassam um ciclista


Aparentemente, para Carlos Barbosa, a possibilidade de circular em segurança é uma regalia e, a sua campanha para demonizar o ciclista é tal que ignora por completo o facto de que estas alterações vêm beneficiar não só o ciclista mas também o automobilista, na medida em que diminuem a probabilidade de ocorrência de acidentes.


Infelizmente, muitas vezes, adoptam-se atitudes dogmáticas perante uma realidade que se desconhece. Vendem-se ideias, fomenta-se discórdia e critica-se sem ter um conhecimento in situ da realidade. A solução passaria por pegar numa bicicleta e dar dois passeios por Lisboa: um na versão pré-alterações e, o outro, versão pós-alterações.


Facilmente poderia concluir que estas "novas regalias" não causam assim tanto impacto na vida do automobilistas e, fazem uma grande diferença para quem se desloca de bicicleta.



Porquê ?




O fim da obrigatoriedade de circular o mais à direita possível permite-nos evitar as tangentes de alguns automobilistas que, em certas ocasiões, acreditando que o espaço existente é suficiente para passar sem ultrapassar, se posicionam paralelamente ao ciclista, empurrando-o ainda mais para a berma onde existem carros estacionados, passeios, buracos, escoadouros de água ... enfim, um sem número de factores que podem conduzir a uma queda.







Poder reservar uma distância de segurança em relação à berma é outra das medidas que dá ao ciclista a possibilidade de evitar algumas armadilhas como, por exemplo, as grelhas dos escoadouros onde as rodas podem ficar presas ou, os lancis dos passeios que, como sabemos, são responsáveis por alguns sustos quando nos encostamos demasiado a eles.






Quanto às medidas aplicáveis aos automobilistas ... bom, não me parece que cause assim tanto transtorno. Afinal de contas, estamos a falar apenas de guardarem uma distância de segurança em relação ao ciclista o que, por sua vez, nos vai permitir adoptar uma condução mas defensiva e previsível. Ou seja, podemos evitar os buracos que nos aparecem pelo caminho, ultrapassar viaturas paradas em segunda fila, evitar obstáculos e virar nos cruzamentos em segurança. Bem vistas as coisas, esta previsibilidade da condução de uma bicicleta, vem beneficiar todos os que circulam na via e não apenas os ciclistas.





Relativamente à obrigatoriedade de abrandar quando se ultrapassa um ciclista, compreendo que causa alguma confusão. Afinal, para ultrapassar é preciso acelerar, certo ?

Não quando se trata de ultrapassar um ciclista. Reparem: nós andamos devagarinho. Numa descida atingimos uns estonteantes 30 Km / hora e não há assim tantas descidas em Lisboa. Mesmo diminuindo a velocidade durante a ultrapassagem, um carro consegue, sem problemas, ultrapassar um ciclista.


Não esqueçamos que, nem todos estão habituados a usar a bicicleta como meio de transporte na cidade e se, até os mais experientes sentem o efeito da deslocação do ar quando um carro ou autocarro passam à tangente, imaginem como se sente alguém que não está habituado. É um verdadeiro rodeo em duas rodas, em que o principal objectivo é manter-se equilibrado na bicicleta sem bater num lancil e descobrir o selim estava afinal mais próximo do chão do que se julgava. E assim, mais uma vez, esta medida evita acidentes.


2 - “A coexistência entre automobilistas e ciclistas nem sempre é pacífica. Tenho receio que, ao aprenderem a conviver, haja vários acidentes e problemas. Acho que é fundamental todos os ciclistas, até para sua própria protecção, terem um seguro de responsabilidade civil”.

" A coexistência entre automobilistas e ciclistas nem sempre é pacífica". Dito desta forma só me ocorrem batalhas épicas entre uns e outros, ao som de uma música igualmente épica!



 

Quase que consigo imaginar os ciclistas a brandir as câmaras de ar e, do outro lado, os automobilistas com as chaves de rodas na mão. 

Mas nada disso acontece. Quantos de nós já entraram em conflito directo com um automobilista ? Claro que às vezes há buzinadelas. Mas também as há entre automobilistas. Claro que temos algumas manobras perigosas. Que, uma vez mais, também acontecem entre condutores automóveis. Por isso, dizer que a "coexistência nem sempre é pacífica" é, na minha opinião, bastante exagerado.

Depois temos ainda a questão do receio que Carlos Barbosa tem de que, "ao aprenderem a conviver, haja vários acidentes e problemas". 

Ora, se antes das alterações não haviam os tais "acidentes e problemas" e se essas mesmas alterações têm por objectivo aumentar a segurança e minimizar o risco de ocorrência dos acidentes, não será a afirmação um pouco contraditória ? 

Quanto à questão de automobilistas e ciclistas "aprenderem a conviver"... bom, podem não acreditar mas, já convivemos há bastante tempo, ao longo do qual fomos aprendendo a respeitar o espaço de cada um. Não vamos negar que existem zonas mais perigosas e condutores (tanto de automóveis como de bicicletas) um pouco mais irresponsáveis do que outros, mas isso por si não significa que não saibamos conviver uns com os outros e, a prova disso, é que raramente ouvimos falar de algum acidente envolvendo um automobilista e um ciclista. 

É importante pôr um termo a estas campanhas que, em vez de contribuírem para a educação cívica dos condutores automóveis e ciclistas e, por sua vez, contribuírem para uma melhoria das condições de vida para TODOS (diminuição do nível de ruído, diminuição da poluição, melhoria das condições de saúde e por aí fora), apenas geram atritos e inimizades entre aqueles que, diariamente, se cruzam nas avenidas, nos semáforos e por essa cidade fora separados, apenas, pelo número de rodas.

E não esqueçamos que, os ciclistas não são criaturas de outro mundo e indiferentes à realidade do automobilistas pois, alguns de nós, também utiliza o automóvel. 
Simplesmente preferimos ir de bicicleta!


12 comentários:

  1. Subscrevo na totalidade, parabéns!

    Na altura dessas declarações a MUBi lançou este comunicado a explanar porquê que o Carlos Barbosa estava errado:
    http://mubi.pt/2013/08/29/seguro-obrigatorio-para-ciclistas-porque-e-que-o-carlos-barbosa-esta-errado/

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    1. Obrigado Mário !

      Relativamente ao comunicado lançado pela MUBI, eu não podia estar mais de acordo não só com os argumentos que eles apresentam como, sobretudo, com a postura adoptada: a disponibilidade para "debater, de uma forma séria e sem demagogias, estas questões, e a colaborar com o ACP para encontrar formas construtivas de contribuir para um convívio mais saudável e seguro entre todos os modos de transporte em Portugal ".

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  2. Blog absolutamente inspirador, fiquei seguidora :) Continuação de bom trabalho e boas pedaladas!

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  3. Muito bom texto! O Sr. do Acp "emendou a mão" com um artigo (bem escrito) sobre ciclovias na última revista do clube (do qual sou sócio). Quanto à nova lei apenas acho redutor que os passeios sejam apenas para crianças até aos 10 anos. Especialmente porque em muitas zonas o limite de velocidade de 50 km/h corresponde a uma velocidade real de 70/80 km/h. Temos de ser optimistas para 2014 porque a lei não vai mudar a cabeça de muitas pessoas mas é um avanço! Vou partilhar o post para divulgar!

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    1. Obrigado pelo comentário Ricardo!

      Creio que a questão dos passeios dará sempre que falar ... Por um lado, compreendo que seria mais fácil atalhar caminho por aí e, às vezes, isso implica fugir a uma grande subida ou fazer uma distância muito inferior à que faríamos indo pela estrada. Mas, por outro lado, também compreendo a proibição visto que, a condução de um ciclista que ora anda na estrada, ora no passeio, é mais imprevisível do que a de quem se mantenha sempre na mesma faixa e, em termos de segurança, é uma mais valia circular na via. Depois, há também aquelas zonas em que os passeios são tão estreitos em que torna difícil o convívio entre peão e ciclista.

      Seja como for, podemos sempre desmontar da bicicleta e levá-la pela mão :) Aquilo que "perdemos" em tempo, ganhamos depois no encurtamento da distância e ainda temos a vantagem de poder parar pelo caminho para tomar um café ou apreciar a paisagem

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  4. Só deixo aqui uma pergunta, se um ciclista provocar um acidente numa estrada e nao tiver seguro nem meios para pagar os danos causados, quem se responsabiliza?????????? gostaria que me elucidassem............

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    1. Antes de mais agradeço o contributo do Sérgio ! É importante que, ciclistas e automobilistas partilhem as suas preocupações e pontos de vista pois, só através desta troca de opiniões, podemos contribuir para tornar a estrada um espaço mais seguro para todos os que nela circulem.

      Compreendo a preocupação com a ausência de seguro dos ciclistas: E se ele bater na porta do carro ? E se eu me despistar para evitar atropelar um ciclista que passou o sinal vermelho ?

      Mas... e se um peão atravessar fora da passadeira e provocar um acidente ? Devemos nesse caso ponderar que, qualquer pessoa que se desloque na via pública esteja sujeito a um seguro de responsabilidade civil obrigatório ?

      E qual seria o critério que determinaria a obrigatoriedade de ter seguro ? Todos os ciclistas deveriam ter ? Mas... será que a probabilidade de ocorrência de acidente que provoque danos a terceiros é a mesma se compararmos um praticante ocasional de BTT e alguém que se desloca diariamente de bicicleta ?

      Por outro lado Sérgio, e mais uma vez deixando claro que compreendo e aceito a sua tomada de posição, a obrigatoriedade de um seguro para ciclistas não irá, por si só, traduzir-se em melhores práticas de condução. Afinal, os seguros automóveis são obrigatórios e, ainda assim, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária registou, entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2013, 116.035 acidentes automóveis.

      As alterações ao Código da Estrada vêm, no fundo, tentar minimizar a ocorrência de acidentes e promover a partilha da via. Trata-se de tentar transformar a bicicleta num meio de transporte apetecível o que, consequentemente, irá resultar num menor número de carros nas estradas. Havendo menos carros na estrada, há menos riscos para as seguradores e, até os automobilistas irão beneficiar porque, menos risco = menos custo de prémio de seguro.

      Contudo Sérgio, tem razão numa coisa: os acidentes acontecem e, podem acontecer a qualquer um. Respondendo então à sua questão sobre quem se responsabiliza nesses casos, gostaria de lhe sugerir a leitura de um artigo produzido por um dos membros do Conselho Consultivo para a Mobilidade Sustentável onde, são abordados diferentes cenários de sinistros ocorridos entre ciclistas e automóveis.

      http://www.fpcub.pt/files/2013/12/Altera%C3%A7%C3%B5es_codigo_estrada_velocipedes.pdf

      Abraço,

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  5. Como a maioria dos utentes da via publica, sou peão, ciclista e automobilista. Sem duvida que sou a favor da obrigatoriedade de um seguro de responsabilidade civil por parte dos ciclistas, seguro esse que possuo. Direitos implicarão sempre deveres, sejamos claros. Claro que o seguro não ensina ninguém a conduzir, ou evita acidentes, mas salvaguarda quem nele vier a ser interveniente. Há bons e maus automobilistas, assim com ciclistas, e sempre haverão, como tal o seguro sera sempre uma solução racional. A questão é educacional, e as mentalidades so serão mudadas com o tempo.

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    1. Obrigado por partilhares o teu ponto de vista sobre esta questão que se tem revelado um tanto delicada: o seguro para ciclistas.

      Concordo contigo quando referes que o seguro, "salvaguarda quem nele vier a ser interveniente". No entanto, a minha questão é: deverá o seguro de responsabilidade civil ser obrigatório para todos os ciclistas ? Isto é, na minha opinião, existirá uma grande diferença entre um praticante ocasional de BTT e um ciclista urbano no que diz respeito à probabilidade de se verem envolvidos em sinistros com terceiros. Será que devemos impôr as mesmas regras a ambos ou, pelo contrário, a questão do seguro deve ter "dois pesos e duas medidas" ? Qual a tua opinião ?

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    2. Obviamente que um utilizador urbano de bicicleta, terá muitas mais probabilidades de se ver envolvido num acidente, no entanto sabemos igualmente que os acidentes ocorrem quando menos o esperamos. A não obrigatoriedade de seguro para os ciclistas, deixa ao critério de cada um, e a minha opinião é que qualquer ciclista o devera fazer, e não trabalho com seguros, que fique claro. Se utiliza a bicicleta apenas na vertente desportiva, pois existem seguros próprios para o efeito. Eu fiz um seguro de responsabilidade Civil, para me salvagurdar, pois sabemos que um toque, por pq que seja numa porta de um automóvel,num farol,num retrovisor,pode ter custos elevados,e há igualmente o risco de atropelamento.Quanto à questão que tenho ouvido relativamente ao fato da não formação por parte dos ciclistas em relação ao Código da Estrada,penso que a esmagadora maioria dos ciclistas são igualmente automobilistas,como tal penso que cai por terra tal preocupação,no entanto há os jovens utilizadores que ainda não possuem carta de condução,e então porque não criar formação escolar para tal efeito? Deixo a questão no ar.

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  6. É sempre difícil atingir o ponto de equilíbrio nestas questões, no entanto penso que todos devem fazer o seguro de responsabilidade civil, é verdade que um utilizador ocasional,vai ver reduzidas as probabilidades de ser interveniente num acidente,mas nunca vai estar isento de tal. E para quem utiliza a bicicleta apenas na vertente desportiva,ha seguros vocacionados para isso mesmo. Há sim um pormenor com o qual não concordo,caso utilizes mais do que uma bicicleta,que é o meu caso,deveras fazer um seguro por bicicleta,pois na Seguradora fica registada a marca e modelo do respectivo veiculo.

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